Susan Sontag 2
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Da leitura de “Reborn” sobrou-me a sensação de que, de repente, deixámos de ter tempo para tudo. Nem só para o acto de pensar e de nos pensarmos mas também para repararmos naquilo que olhamos e já não sabemos como ver. Vivemos um tempo que exige reacção, quanto mais rápida melhor, mas quanto daquilo que agimos é, de facto, consciente e significativo? Vivemo-nos à superfície e não ousamos arranhar a superfície do outro. Por medo de quê? De que o sangue que jorre dessa aparente agressão nos demonstre que o ser-se humano é bastante mais do existir em sangue e ferida? Falta-nos a ternura por nós mesmos. A mão que colocamos sobre os nossos ombros e com a qual nos impelimos a aprender que o mundo não é só o chão debaixo dos nossos pés mas tudo o que fica escondido por dentro.
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Susan Sontag
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Entre – e durante - dois romances policiais de Val Mcdermid, li “Reborn” de Susan Sontag, o primeiro volume da série de diários a serem editados pela Penguin. Escrito entre os 15 e os 30 anos a prosa intima de Sontag revela não só a construção da mulher que pensou o mundo mas também a influência que o mundo teve na mulher e a sua luta feroz e muitas vezes inglória de se sentir parte dele. A braços com a indefinição da sua identidade – e nem por isso a sexual – mais do que observar o mundo analisava-se a si em relação ao que a rodeava. Insatisfeita com as suas fraquezas sociais e procurando moldar-se de acordo com a pessoa que queria ser, Susan Sontag discorreu sobre as suas contradições em jeito de um exercício de apuro que lhe moldou a forma e o pensamento.
Da pessoa por detrás do nome, quando ainda não era propriamente um nome, sobra o retrato cru de uma mulher de trato nem sempre fácil dilacerada pelas armadilhas e escombros do amor e que, à medida que aprendia a escrutinar a realidade, ia comendo atum da lata, lavando à mão a roupa interior e prometendo-se, mais do que uma vez, a tomar banho todos os dias.
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Domingo
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Os sonhos revelaram-me a essência de uma solidão atroz, de uma semente envenenada que só pode mesmo causar a morte. E hoje senti-a, infiltrada em todas as minhas células. Em cada terminação nervosa, em tudo o que faz de mim humana. E como uma roupa molhada que se torna desconfortável, tudo o que quis foi que me despisses a pele e me tomasses indefesa no teu abraço.
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Os sonhos revelaram-me a essência de uma solidão atroz, de uma semente envenenada que só pode mesmo causar a morte. E hoje senti-a, infiltrada em todas as minhas células. Em cada terminação nervosa, em tudo o que faz de mim humana. E como uma roupa molhada que se torna desconfortável, tudo o que quis foi que me despisses a pele e me tomasses indefesa no teu abraço.
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Anónimo, a case study
"Ao fim e ao cabo, cada vida não é mais do que a soma de factos contingentes, uma crónica de intersecções casuais, de golpes de sorte, de acontecimentos aleatórios que revelam apenas a sua própria ausência de propósito."
Paul Auster in The New York Trilogy
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Let it snow
Dia de neve em toda a parte menos do lado de fora da minha janela. Neve também onde estás, a acirrar a vontade de te ter nos braços e de te proteger do frio e da ausência.
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Os lugares
Há no tempo uma fenda, um espaço em branco, um instante de silêncio avassalador. Não estás nos lugares e eu nem sempre sei de que forma é isso de existires em mim.
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Stop, rewind, play
Bom seria terminar cada dia e ter havido nele qualquer coisa que o resgatasse à virulência de apenas se parecer com todos os outros. E se não existisse em mim o teu lugar até eu seria desenhada a papel químico.
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12º desejo
Entre o autocarro que te levou de manhã e a escassez de sentido das horas de trabalho e das relações subjacentes, sobrou o cinzento do dia e a vontade, cada vez mais urgente, de coerência. Coerência em mim e à minha volta. E se não do que me rodeia para mim, sem duvida de mim para o que me rodeia.
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Dois mil e dez
Começar um ano novo e vislumbrar o final de uma década. Na cartografia dos anos que ficam para trás existem atalhos que não deveriam ter feito parte do mapa mas que, se não tomados, também não me trariam ao ponto exacto deste caminho. Apesar de tudo, há neste trilho terra que os meus pés amam e horizontes que os meus olhos almejam. Existe ainda muito para conhecer e o que nesta direcção se pode aprender é apenas diferente, na forma, do que aquilo que me poderia ser ensinado noutros destinos. Nada, nunca, se perde se existir em nós a capacidade consciente da transformação.
Começar um ano novo. Abrir os olhos para a luz que iluminava as primeiras horas e reconhecer os contornos da tua forma. Foste e és o melhor da década e ainda que - neste ano que lhe sobra - a luta continue a ser feroz, continuamos de pé. Ainda sabemos andar.
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